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Conversas à escuta

Há umas semanas estava a sair do avião para entrar naqueles shuttles que nos leva até ao aeroporto. Estava em Barcelona e no momento que entrei no autocarro encostei-me a um canto. Ao pé de mim estava um grupo de portugueses, 6 (4 meninas e 2 meninos). Pela pinta, deviam ter os seus 25 anos ou até menos. Tenho quase a certeza que iam passar um fim-de-semana entre amigos por terras de neutros hermanos.

A dada altura a conversa começou:

Menina 1 – “Olha a A* (seria uma amiga em comum que não estava a viajar com eles) tem namorado novo! Este é bombeiro”
Menino 1 – “Essa também arranja cada um. O anterior era segurança, este é bombeiro. Essa também tem pancada. Que arranje um gajo normal.”
Menina 1 – “Mas qual é o mal? O namorado da Joana (uma das 4 meninas do grupo) também é bombeiro! Mas agora uma pessoa tem de ter um curso superior para ser uma pessoa normal?…”
Todos – “Mas tu tens namorado?” (disseram todos os amigos em conjunto)
Menino 1 – “Olha mas que conversa! Mudemos de assunto.”

A Joana (a menina do namorado bombeiro) ficou vermelha como um tomate quando o assunto passou a ser: namorado e ser bombeiro. Sabem… Quase que fiquei com pena dela porque tenho consciência de que um comentário simples como “que arranje um gajo normal” pode ferir.

Portanto decidi escrever sobre o assunto!

Acho que Portugal, mais do que qualquer país na Europa, é um país de Doutores. Em terras lusas, toda gente é doutor. Por exemplo, uma coisa que me faz espécie, a sério que não entendo, é este hábito de chamarmos doutores aos advogados, contabilistas e afins… Eu sei que noutra época nem toda gente tinha a oportunidade de estudar na universidade (os meus pais não tiveram essa chance) mas hoje os tempos são outros. E porque havemos nós de continuar com as velhas práticasEsta presunção que se criou à volta dos títulos às vezes aborrece-me e entristece-me. Cada vez mais sinto que somos doutores antes de sermos pessoas. E de que vale sermos doutores se não somos pessoas e não sabemos tratar as outras pessoas?

Ensinam-nos Matemática, Português e tantas outras coisas na escola. Ótimo! A sério que tudo isso é crucial. Mas esquecem-se de nos ensinar valores importantes como o respeito pelo outro. No mundo empresarial já me cruzei com tantos marmanjos que ofendem e ferem gratuitamente. Mas de que vale o gajo andar 20 anos na escola se depois sai de lá cheio dele e a levar à frente tudo o que aparece? Na Austrália, ser eletricista é tão bom como ser médico. Na realidade, os tradeis ganham muito mais do que qualquer outra profissão de escritório. Em França, as pessoas deixaram de ser canalizadores porque era “mal visto”, era uma profissão menos boa. Hoje, pagar a um canalizador em Paris custa balurdios porque eles quase desapareceram. Isto tudo para dizer o quê?

Eu própria sou a primeira a julgar! E atiro a primeira pedra a mim mesma MAS será que temos mesmo razão? Eu sou a primeira a considerar a educação crucial para a vida. Aprender é crescer mas esta espécie de ideia só quem vai à escola é que vale TEM de mudar (deve mudar).

E Joana, ser bombeiro é muito louvável, quem nos dera a nós ter mais homens corajosos e destemidos como eles.

Mais um desabafo das muitas coisas que vou vendo pelo mundo.

Beijinho,

Daniela

Créditos da foto: Ben White no Unsplash